William Menkes e a
arte de gravar
Vou resumir: para acostumar as pessoas a ver a partir
de novos pontos de vista, é essencial tirar fotos de objetos familiares,
cotidianos, a partir de perspectivas e de posições completamente inesperadas.
Aleksandr Ródtchenko - 1928
Para ser um gravador é preciso,
primeiramente, conhecer a fundo técnicas e materiais. O processo exige muita
aplicação. E tempo. No percurso entre a apreensão do objeto, seu registro na
matriz e a gravura estão o artista e sua disposição para o poético, para
representar e organizar as formas do mundo a fim de torná-las visíveis. Aqui
tem início também o estético, a capacidade de perceber a potência do objeto de
se apresentar de modo artístico e, portanto, autônomo.
Os trabalhos de William Menkes
ilustram com qualidade todo o processo. A série Geometrias urbanas segue a esteira de Ródtchenko, fotógrafo russo
considerado o iniciador da fotografia conceitual no que tange à capacidade de
descobrir novas “oportunidades visuais” em objetos familiares. As torres
transmissoras, tão comuns em nossos dias, mobilizam Menkes para nelas buscar ângulos,
sombras e texturas que a repetição da imagem no cotidiano costuma apagar de
nossos olhos. Daí o espanto a que pode levar o encontro de barras de ferro quando
retiradas do contexto maior e aproximadas, de modo a perder suas referências
(gravura 4). Quando isto ocorre, geralmente provoca uma aproximação curiosa
também do observador. Afinal, o que é isto? Perdendo os referenciais, a imagem deixa
de ser figurativa, descritiva, porém, mesmo sendo estranha, ainda assim é algo.
Nesta medida, requer do
observador outra maneira de ser sensível, negando-se à passividade e a
referencialidade. A série Geometrias
urbanas movimenta nossa apreensão e compreensão desses objetos, permite que
suas linhas sejam sobrepostas, invertidas, deslocadas, tornando-os formas raras
e surpreendentes. Claro está que esta visão singularizada atualiza e inscreve a
obra de Menkes na tradição construtivista da arte. Uma tal vinculação se prova
por meio da escolha dos ângulos do objeto: todos permitem que as linhas se
distribuam de forma equilibrada, mesmo quando pareçam excessivas, levando-nos a
uma visão do espaço em profundidade. Claro está, também, que o artista controla
– e quando digo controla pretendo enfatizar o domínio de uma técnica que tem a
possibilidade de surpreender no resultado final ─ os campos e as linhas no seu
entrelaçamento, variando dinamicamente suas relações. Quando a cor é
introduzida (gravura 1 – azul) temos uma outra proposta, poderíamos dizer que mais
próxima da pintura do que do desenho, mas que também induz a movimentos de
aproximação e distancia na variação de luz.
As constantes transformações a que
Menkes submete seus objetos, apenas alterando o ponto de vista, retira a
possibilidade de serem vistos em uma hierarquia e reforça mais um gesto
construtivista. Os espaços ali construídos só ali serão encontrados. A isto
chamamos a autonomia da obra de arte. É a diferença. Generosamente, o artista
dá conta de tudo. A arte da gravura também.
Maria Adélia Menegazzo – Verão de 2015
SUBVERSÃO
DO URBANO
As estruturas de concreto e ferro se
erguem sobre nossos olhos e se tornam incrivelmente íntimas para nós, a força,
resistência e rigidez, trazem a austeridade e frieza do metal implícitas. A
arte trabalha com a complexidade do sentimento humano, ela nos transporta sob
as obscuras vias de nossas emoções, sua apreciação torna-se, muitas vezes,
subterfúgio do cotidiano urbano maquínico impregnado na cidade. Enquanto
observamos esses universos tão distintos, o artístico e o industrial, o que
dizer sobre obras que trazem o cerne das estruturas que estamos tão acostumados
a ver, suas entranhas de ferros cruzados, juntamente com a suavidade da mão de
um artista?
“Fragmentos Urbanos” é uma série que
transpassa nossa perspectiva diária, exibe um lado sensível das estruturas que
nós enxergamos cotidianamente, mas mantém seu foco na perspectiva que encanta,
no cruzamento das linhas e ligamentos, a cor sóbria traduzida a contrastantes
tons de cinza, em novas texturas, em novas possibilidades e sentimentos. Por
meio da fotografia o artista inicia o processo de tradução da rigidez do urbano
e finda esse processo em linhas e formas que, ao mesmo tempo que o remetem, o
subvertem.
Talvez a palavra que
melhor se encaixa no contexto dessas obras, é “subversão”. Subversão da frieza,
do agudo e da imutabilidade, transformação da rigidez em sensibilidade, em
textura, em expressivos frisos no papel, em mistura de tinta opaca e diluída. O
artista traz consigo o olhar do fragmento, as possibilidades de reinterpretar
nossas visões cotidianas, a peculiaridade do recorte transforma a frieza e
sobriedade de uma estrutura sem vida em uma obra cheia de texturas e
semblantes, ela atrai o olhar, diferente da construção urbana, muitas vezes
despercebida. O objeto estático é mutado para uma obra inquieta, o artista
abstém a frieza do urbano à arte e provoca o espectador a observar seus
detalhes e unificar suas expressões.
Paula Poiet
Me. Imagem e Som - UFSCAR
Setembro de 2014
GEOMETRIAS
O mosaico visual expresso
em diferentes formas no cotidiano urbano sempre serve como pretexto para
inúmeras inquietações e propostas artísticas. Formas, cores, texturas são
elementos que reforçam a função e a presença estética das coisas dispostas nos
espaços das cidades.
Dar novos sentidos e
significados para o que nos cerca é exercício constante do ato criativo. Arte
espelha a cidade, espelha o outro. Arte espelha desejos. E o desejo de somar ou
subtrair valores para o que se encontra estabelecido provoca no artista criador
a necessidade de rever e reinterpretar sutilmente o mundo.
Os trabalhos dessa
exposição surgiram do interesse de buscar em determinado objeto trivial uma
potência estética para transformá-lo em assunto de arte. Assim, William Menkes
se apropriou do desenho geométrico das estruturas de torres metálicas
espalhadas na cidade para elaborar suas dinâmicas rítmicas usando os recursos
de linguagem da gravura em metal, explorando e variando o espaço perspectivo no
posicionamento do olhar de baixo para o topo dessas torres.
A série Geometrias exemplifica no
seu desenvolvimento a capacidade de se perceber nas coisas banais um valor não
evidenciado, narrativa não mencionada, importância não estabelecida. Trata-se
de um conjunto de gravuras que representa fragmentos desse elemento de avanço
tecnológico da engenharia – torres para telecomunicação - cuja presença, numa
interpretação poetizada, esboça desenhos geométricos em suspensão no céu.
Ideia que foi o ponto de
partida para William Menkes. A elaboração das gravuras se origina da observação
do desenho dessas estruturas. Assim, as composições experienciadas resultam do
cruzamento vertical, horizontal e diagonal de linhas suaves e densas, em
movimentos visuais que aproximam e afastam planos, definem profundidade e
extrapolam os limites da imagem se projetando entre as tramas do papel.
Rafael Maldonado
professor no curso de
Artes Visuais da
Universidade Federal
de MS
Julho de 2013
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